Introdução
A ferramenta CLAWS (Ferramenta Colaborativa de Leitura e Ajuda na Web para surdos) é o resultado da dissertação de mestrado de Stefan José Oliveira Martins na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais. A ferramenta CLAWS foi desenvolvida dentro do Grupo de Estudos em Interação do Laboratório de Tecnologias de Software e orientada e coordenada pela Profa. Dra. Lucia Vilela Leite Filgueiras.
Detalhamento do Trabalho
O objetivo da ferramenta é apoiar o uso da web, pelas pessoas surdas, de forma a aumentar a sua autonomia na apreensibilidade das informações. O foco da ferramenta é o design de interação, adequado para a comunidade e cultura surda.
A motivação para o desenvolvimento desta ferramenta foi que no Brasil, conforme dados do censo demográfico do IBGE do ano de 2000, havia aproximadamente 5,7 milhões de pessoas com algum tipo de perda auditiva, sendo 1,1 milhões de pessoas que não ouvem absolutamente nada. Além disso, a Lei de Acessibilidade - Decreto lei 5296 de 2004 não evidencia os surdos. No art. 47 onde fala sobre os sites apenas é citado o deficiente visual. O surdo só é lembrado nesta lei no art. 49 sobre recursos telefônicos e centrais de atendimento e nos artigos 52 e 53 sobre os recursos televisivos, ou seja o Closed Caption.
A terminologia sobre o indivíduo possuidor de deficiência auditiva adquire diversas formas no meio acadêmico, na legislação e na sociedade - surdo, surdez, pessoas com deficiência auditiva ou com perdas auditivas. Segundo Skliar (1997 e 2005), o termo aceito socialmente para caracterizar a pessoa que não ouve é surdo. Este também é o termo adotado pela comunidade que não ouve para caracterizar a si mesma. O referido autor relata que, para a comunidade surda, o deficiente auditivo é alguém diferente do surdo: não participa de comunidades, procura se parecer com os ouvintes e se expressar pela comunicação oral. Já os surdos possuem língua própria, a Libras (Língua Brasileira de Sinais), se agrupam em associações e comunidades e não aceitam sua diferença como uma doença, mas sim como uma cultura com hábitos e particularidades como qualquer outra. A comunidade surda é bastante diversificada, uma vez que há pessoas que sabem se expressar oralmente, outras somente pela língua de sinais e outras apenas com gestos convencionados na comunidade que convivem.
Segundo Rosa e Cruz (2001) apud Plácido (2004), a web é uma ferramenta que possibilita ao surdo analisar o mundo com menos “intermediários”, conferindo-lhes julgamentos e decisões. Sendo assim, o surdo não depende de intérprete para poder compreender o que passa ao seu redor propiciando para ele uma maior autonomia. Mas o acesso as TICs é possível, desde que o surdo conheça (pelo menos parcialmente) a escrita da língua portuguesa brasileira, segundo Silva, Kauchakje e Gesueli (2003) e Iguma (2004).
Segundo Plácido (2004) e Corradi e Norte (2005) é necessário construir interfaces com textos simples e de fácil compreensão pelos surdos. Isso significa ter apreensibilidade. Apreensibilidade da informação textual é a capacidade de um texto ser lido, compreendido e assimilado por aqueles que necessitam de tal informação, de acordo com Martins e Filgueiras (2007). No aspecto mais amplo, apreensibilidade das informações é a capacidade de visualização da informação, compreensão e assimilação que pelo surdo se dá de forma combinada e dinâmica.
Além de serem diversificados, usarem uma linguagem de sinal (como forma primária e natural de comunicação) e colaborativos (por viverem e estarem associados a grupos), os surdos possuem baixo domínio do português escrito. Essa diversidade de indivíduos faz com que seja difícil pensar que exista uma única ferramenta que apoie a interação dessas pessoas com a informação presente na web.
A ferramenta CLAWS, ao colocar todos os recursos à mão, acelera o processo de entendimento e diminui a desistência durante a navegação. É incomodo para o usuário ter que manter todas as janelas de dicionários, páginas de pesquisa do Google, do Google Imagens e outros recursos de ajuda abertos e trocar esses recursos o tempo todo. Isso quando não necessita do auxílio para entender uma informação ou procedimento por outra pessoa normalmente um ouvinte, sendo este um intérprete, familiar ou professor.
Acredita-se que essa combinação de soluções da CLAWS tem maior potencial de apoiar a interação da pessoa surda do que cada uma delas em separado. Assim como se acredita que a não interferência com o conteúdo possa ter a vantagem de manter a atualidade e a manutenibilidade dos websites, uma vez que estes não precisem fazer conteúdos próprios para este público.
A CLAWS nesse sentido é uma ferramenta que se acopla aos navegadores composta de recursos diversos: dicionário de palavras, dicionário de imagens, vídeo em Libras, legenda em português, avatares animados 3D que sinalizam para Libras, galeria de vídeos criados pelos usuários e compra de vídeos de uma central de intérpretes (este é um serviço associado, que pode prestar o apoio individualizado mediante contrato com as empresas fornecedoras de conteúdo e informação). A ferramenta, portanto é um complemento dos navegadores, ativada apenas quando o surdo necessitar de ajuda.
Para a construção desta ferramenta estudaram-se as tecnologias para surdos e as particularidades da comunidade surda com as TICs e as barreiras encontradas durante a interação. Neste estudo, encontraram-se 49 artigos e 05 livros da área acadêmica IHC (Interação Humano-Computador) e como referência para busca foi utilizada a HCI Bibliography: Human-Computer Interaction Resources por ser uma biblioteca ampla, atualizada e importante que reúne os livros, periódicos e anais de conferências relevantes da área de IHC. Além disso, também foram analisadas as normas e recomendações da WCAG 2.0 da W3C. Tais recomendações são gerais e úteis quando não conseguimos entrar em contato com a população alvo do estudo e podemos através delas avaliar previamente suas estratégias de interação. No entanto, não podemos só utilizar isso como meio de avaliação a adequação de uma interface ou ferramenta, pois cada grupo de usuários é único com suas necessidades específicas.
Depois dessa primeira fase de estudo do estado-da-arte realizou-se uma busca por interfaces e recursos para a cultura surda. Nesta pesquisa foram selecionadas 14 interfaces web para o público alvo, tanto nacionais quanto internacionais que privilegiaram a diversidade. Nesta pesquisa foram identificados padrões de elementos de interação utilizados. Após isso houve a necessidade de avaliar em uma pesquisa de campo a aceitação dos elementos de interação na comunidade de surdos e validar sua possível utilização na ferramenta.
Todos os estudos e a pesquisa de campo serviram para fazer o levantamento de requisitos funcionais e não funcionais da ferramenta. Uma vez que os requisitos estavam prontos houve uma fase de prototipação em papel e depois em baixa fidelidade. Após a construção do protótipo de baixa fidelidade houve uma avaliação de 03 especialistas em acessibilidade e usabilidade, com isso, levantou-se uma lista de sugestões e modificações que foram amplamente aceitas e incorporadas a versão final da ferramenta.
Referências bibliográficas
BRASIL, Decreto-Lei n° 5.296, de 02 de Dezembro de 2004.
CORRADI, J. A. M.; NORTE, M. B. Tecnologia da Informação e Comunicação: Acessibilidade a comunidade surda no ciberespaço. São Paulo. 2005
IGUMA, A. Surdos e a comunicação audio-visual: desafiando barreiras. São Paulo, 2004. Dissertação (Mestrado) - Departamento de Cinema, Rádio e Televisão. Escola de Comunicação e Artes. USP.
MARTINS, S. J. O.; FILGUEIRAS, L. V. L.,; Métodos de Avaliação de Apreensibilidade das Informações Textuais: uma Aplicação em Sítios de Governo Eletrônico. In: Workshop on Perspectives, Challenges and Opportunities for Human-Computer Interaction in Latin American (CLIHC). Rio de Janeiro, 2007.
PLÁCIDO, E. G. R. Uma reflexão sobre a influência das novas tecnologias na educação e inclusão social dos surdos. Florianópolis, 2004. 155f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, UFSC, Florianópolis.
SILVA,I.R.; KAUCHAKJE,S.; GESUELI,Z.M. (orgs.) Cidadania, Surdez e Linguagem: desafios e realidades. Editora Plexus, 2ª Ed. – São Paulo, 2003.
SKLIAR, C. (org.) Educação e exclusão: abordagens sócio-antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997.
_______, A Surdez. Um olhar sobre as diferenças. Editora Mediação, 3ª Ed. – Porto Alegre, 2005.
Vídeo da ferramenta CLAWS
no YOUTUBE: http://youtu.be/oH8L8wTCdJo